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quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Nanini: Bem Amado


Marco Nanini encarna o hilariante Odorico Paraguaçu, papel que representará na peça 'O Bem

Odorico Paraguaçu, ilustre prefeito de Sucupira, costuma dizer - salivando demagogia em sua fala peculiar - que não importa o "pratrasmente", temos que pensar no "prafrentemente". Discordativos, poderíamos alegar que cada momento tem sua merecedência. Vejamos: prafrentemente, no dia 7 de setembro, o Teatro das Artes inaugura estação com saídas regulares para Sucupira. Na data, estréia lá a peça "O bem amado", com Marco Nanini como Odorico, direção de Enrique Diaz, a Cia. dos Atores no elenco e adaptação da dupla Guel Arraes e Claudio Paiva. A notícia é de lotar comício, mas teria bem menos apelo se, no pratrasmente, não houvesse um texto de Dias Gomes com 45 anos de história e uma enorme popularidade em sua transposição para a TV nas décadas de 70 e 80 (veja quadro).

Ao encarnar Odorico ("prafrentemente"), Nanini segue uma linhagem ("pratrasmente") que vem de Procópio Ferreira e Paulo Gracindo - este impresso na memória afetiva do Brasil como o personagem, um dos mais marcantes da TV brasileira. Até pela força da interpretação de Gracindo, Nanini procura não se prender a ela para construir sua versão do prefeito de Sucupira.

- Tenho a imagem de Paulo Gracindo como Odorico, foi uma composição bonita. Mas nunca vi novela, vejo pouquíssima TV. E não quis assistir agora aos episódios de "O bem amado" e colocar um trilho na minha interpretação. Tento montar o personagem imaginando as texturas e cores de Sucupira, onde Odorico anda, onde não anda. Tento entender seu raciocínio, por que ele pensa daquele jeito, de onde vêm aquelas expressões, neologismos - explica o ator.

Nanini lembra que contracenou com Gracindo pouco antes da novela "O bem amado", de 1973:

- Virei seu fã quando estivemos juntos em "O cafona" (1971), meu primeiro papel longo numa novela. Conversando no camarim, ele revelava uma certa amargura com um possível ostracismo, que ele, um ator que já tinha passado pelo sucesso no rádio, experimentava na época. Mal sabia o que estava reservado pouco à frente, quando estourou como Tucão, em "Bandeira 2" (1971-72) - lembra.

Nordeste pop e CPIs

Na nova montagem, foi mantida a essência do texto original de Dias Gomes, de 1962, com adaptações para adequá-lo aos tempos atuais. Na TV, aliás, "O bem amado" divertia com suas referências ao noticiário da época. Da campanha pelas eleições diretas ao show de Frank Sinatra no Maracanã (na transposição, virou o show de Waldick Soriano no Sucupirão), tudo passava pela pequena Sucupira. Na nova versão entram elementos do Brasil contemporâneo, como CPIs e a cultura da celebridade. As fontes inspiradoras, porém, não são apontadas diretamente.

- Não procuramos uma relação direta com o momento atual, mas com a síndrome que afeta a política nacional desde sempre - diz o diretor Enrique Diaz.

Questões políticas à parte, a atualização de Sucupira aparece com força no Nordeste pop e colorido que cerca Sucupira e seus habitantes, como Odorico, Dirceu Borboleta, as irmãs Cajazeiras e Zeca Diabo. O cenário de Gringo Cardia (inspirado na exposição "Estética da periferia", fruto de uma pesquisa do artista) e a música de DJ Dolores e Rafael Rocha - baterista do Brasov, que estará no palco tocando ao vivo instrumentos como percussão e escaleta - une elementos como grafites que remetem à estética do cordel e bandas de coreto misturadas com batidas eletrônicas. Um camelô de CDs piratas vende a trilha original da peça. Um universo entre o artesanal e o low-tech.

- Entram de forma sutil alguns elementos da cultura popular, como máscaras, a música, um boneco de Olinda com a cara de Odorico - descreve o diretor. - Tentamos mostrar que tem um povo criativo ali, por trás daquela sujeira. Uma estética viva, que compensa a elegância falsa, de terno, de Odorico. Tudo isso, portanto, serve ao mesmo tempo como moldura e contraste para as ações do prefeito de Sucupira. FONTE: WWW.GLOBO.COM

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